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Um grito de resistência e sobrevivência em prol do principal afluente do Pantanal. Assim foi a celebração em defesa do Rio Paraguai, nesta segunda-feira (14), em Cáceres (MT), na data em que se reforça a importância das águas de um rio que corta cidades do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai.
Centenas de pessoas, entre ribeirinhos, integrantes de comitês populares, pescadores, comerciantes, agricultores familiares, ativistas e entidades socioambientais participaram das atividades em homenagem ao rio e exigiram mais proteção ao Pantanal.
As manifestações também marcaram o posicionamento contrário a projetos de instalação de hidrovias e usinas hidrelétricas pelo risco de degradação ambiental ao bioma e a defesa de modelos mais sustentáveis de produção, como a agroecologia.
“Pantanal por inteiro e não pela metade”, “Hidrovias e usinas, aqui não!”, “Salvem o Rio Paraguai”, “Água e energia não são mercadorias”, foram algumas das palavras de ordem puxadas durante a romaria fluvial que iniciou as comemorações do Dia do Rio Paraguai, na segunda-feira (14).
Cerca de 30 embarcações partiram da Chácara Tuiuiú em direção a Praia do Daveron, onde foi realizada a Mística Pantaneira. A romaria organizada pela Sociedade Fé Vida e o Comitê Popular do Rio Paraguai foi acompanhada por uma carreata, pelas ruas de Cáceres, e moradores que seguiram os ativistas entoando músicas e manifestações em defesa do rio.
Após a romaria, os participantes seguiram para a audiência pública, requerida pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT), realizada no auditório da Secretaria Municipal de Turismo (Sematur). Na sessão, foram realizadas apresentações artísticas e intervenções que abordaram temas ligados ao meio ambiente e importância dos territórios para comunidades tradicionais do Pantanal. Houve críticas a projetos de hidrovias e usinas hidrelétricas, uso de agrotóxicos e iniciativas como a “nova” Lei do Pantanal, que permite, entre outros itens, a criação de gado em áreas de preservação permanente e a instalação de empreendimentos no bioma.
“O Pantanal é um bioma frágil na questão ambiental, mas rico em cultura e diversidade dos povos. Estamos falando de muitos grupos, comunidades tradicionais pantaneiras, indígenas, quilombolas, raizeiras, extrativistas, assentados da reforma agrária, produtores rurais. Um corredor biocultural que se liga a municípios no Brasil e em outros países. O Rio Paraguai é nossa cultura e nossa ancestralidade também. O Pantanal tem gente!”, destacou a representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, Cláudia de Pinho.
Secretário executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira, falou sobre a importância das manifestações e intervenções dos comitês populares que não só abordam questões ambientais, como lutam politicamente em defesa das águas, das florestas, dos animais e dos povos.
“O termo sustentabilidade tem muitas premissas que, infelizmente, o estado de Mato Grosso não respeita, como a espiritualidade dos povos que vivem nos territórios. Ela está intimamente ligada à natureza e presente na vida dessas pessoas. A sustentabilidade deve respeitar a espiritualidade, os territórios e todos os modos de vida. Ela não deve incluir dentro de um modelo de economia que a por cima de todos, mas respeitar. Não existe uma única economia ou padrão de comportamento e essas populações não podem ser invisibilizadas. Que o dia de hoje seja celebrado mais vezes e por mais rios enquanto tivermos fôlego”, disse.
Bastante emocionado em sua fala em defesa da cultura e dos povos tradicionais do Pantanal, Neuzo Antonio de Oliveira, representante do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Cabaçal e da Sociedade Fé e Vida, falou sobre a importância das místicas pantaneiras realizadas durante a audiência e de como elas simbolizam as comunidades. “A educação popular nos diz que a mística, o símbolo, tem força maior que a palavra. E é isso que o nosso povo procura trazer e é o que vimos em todas as linguagens apresentadas hoje”, reforçou.
Também emocionado, Isidoro Salomão da Sociedade Fé e Vida e do Comitê Popular do Rio Paraguai/Pantanal, encerrou as falas da audiência pública parabenizando o amor dos comitês populares ao Rio Paraguai, principalmente, diante das frequentes ameaças. “Nós amamos tanto esse rio que tem hora que não dá mais para falar e temos que chorar. Não aceitamos muito do que vem acontecendo, como essa nova Lei do Pantanal, que não ouviu o povo. Estamos vivendo um Pantanal sem água, com águas poluídas. Os políticos precisam escutar o povo!”, frisou.
“O Dia Estadual do Rio Paraguai é uma data oficial. E o estado, o poder público tem o dever de se apresentar para realizar atividades como essa. Na minha opinião, é a data mais importante desse pedaço do estado, junto com o Dia do Pantanal, também celebrado aqui. Às vezes nos vendem ilusões de que tudo o que vem sendo proposto nos trará prosperidade, mas não. Se tudo o que foi dito e apresentado aqui chegasse ao ouvido das pessoas, elas perceberiam isso. A correlação de forças do poder é sempre desfavorável a nós. Por isso, é nosso dever resistir, falar, demonstrar e lutar”, acrescentou o deputado estadual Lúdio Cabral (PT).
Assista a audiência pública na íntegra.
Povos unidos pelo Rio Paraguai 4dd6l
Celebrado desde 2001, o Dia Estadual do Paraguai é marcado pela união de povos tradicionais não só de Mato Grosso, como de outras regiões do país e vizinhos da América Latina. Para as atividades deste ano, uma caravana da Bolívia foi recepcionada em Cáceres (MT) ainda na sexta-feira (11), além da participação virtual de integrantes da Argentina e Paraguai em uma live internacional comandada pela Sociedade Fé e Vida e Comitê Popular do Rio Paraguai no sábado (12). A transmissão pode ser vista novamente no Facebook (https://fb.watch/gSnGbKX5dH/).
COP27 2f5a6a
A degradação e ameaças ao Pantanal foi tema de um protesto realizado por ativistas durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP27), que acontece em Sharm El-Sheik, no Egito. Para alertar sobre os riscos de desertificação do Pantanal com o avanço do agronegócio, a perda de 74% da superfície de água da maior planície alagável do mundo e projetos de implantação de hidrovias e barragens, ativistas usaram máscaras do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, segurando a placa “O Pantanal vai virar deserto”. Reeleito ao governo por mais quatro anos, Mendes também está na Conferência e ainda não se manifestou sobre o protesto.
Em agosto, ele sancionou a Lei 11.861/2022, que permite a pecuária extensiva em áreas de proteção permanente e o cultivo de pastagem em até 40% da área de propriedades no Pantanal. A lei já está sendo contestada por ser inconstitucional. Em Cáceres, os ativistas se reuniram às margens do Rio Paraguai, mandando um alerta sobre a situação do bioma; o rio atingiu o segundo menor nível em 121 anos em 2021.