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No Cerrado, antas e outros animais tentam sobreviver em fragmentos de habitat e ‘oceanos’ de soja e cana 1h492a

9 minutos de leitura
Filhot de Anta resgatado. Foto: Instituto Ayumi

Conexão Planeta – Patrícia Médici  Quem me conhece sabe do meu amor pelas antas e que dedico minha vida à conservação desses animais magníficos. 1v2u1b

Sou engenheira florestal, com mestrado e doutorado em ecologia e conservação de animais silvestres e trabalho pela conservação e proteção das antas há 20 anos, por meio de um programa de longo-prazo chamado Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB). Essa iniciativa foi inicialmente estabelecida na Mata Atlântica de São Paulo, em 1996, expandindo sua atuação para o Pantanal em 2008 e para o Cerrado em 2015. Sou uma das fundadoras da organização da qual faço parte, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e, desde 2000, atuo como presidente do Grupo Especialista de Antas (Tapir Specialist Group) da Comissão de Sobrevivência de Espécies (Species Survival Commission) da União Internacional para a Conservação da Natureza (International Union for Conservation of Nature).

E escrevo, agora, para fazer um desabafo…

Na semana ada, o Instituto Ayumi em Mineiros, Goiás, resgatou um filhote de anta com cerca de 70% de seu corpo queimado. Desde o mês de fevereiro, esse filhote vinha sendo frequentemente avistado juntamente com a mãe em uma lavoura de milho da região. No dia 14 de setembro, houve um incêndio em um plantio de cana de açúcar nas proximidades e, aparentemente, o filhotinho não conseguiu fugir a tempo.

 

A mãe saiu ilesa, sem queimaduras. O filhote foi recolhido pela equipe doInstituto Ayumi – incluindo os estudantes de veterinária Airton Katsuyama (que é biólogo) e Karolyne Almeida Souza – na tentativa de salvar sua vida, embora a situação fosse claramente muito grave. Por dois dias, os dois profissionais, acompanhados por diversos profissionais da região que se dispam a ajudar, fizeram tudo que foi possível para tentar salvar o animal: trabalharam duro, dia e noite, com o coração. Nossa equipe da INCAB tentou ajudar por meio de um grupo criado às pressas no WhatsApp para que todos os procedimentos veterinários fossem orientados e pudessem ser realizados, uma vez que temos duas veterinárias experientes com a anta em nossa equipe. Infelizmente, o filhotinho veio a óbito na noite de sexta-feira, quebrando o coração de todos os envolvidos.

E por que estou relatando este caso? Por diversas razões.

A primeira delas é porque gostaria de agradecer à equipe do Instituto Ayumi pela dedicação e paixão na tentativa de salvar a vida deste animal. Sabemos que, diante das circunstâncias nas quais vive o mundo da conservação, cada indivíduo conta e a equipe do Ayumi fez absolutamente tudo o que foi possível. Esta é uma organização não governamental que realiza atividades de resgate de animais silvestres em situações de intervenções humanas tais como áreas de queimada e colheita no Cerrado da região de Mineiros, Goiás. O Instituto trabalha em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente de Mineiros e pretende, no futuro próximo, criar um Centro de Reabilitação de Animais Silvestres por lá.

Também relato este caso porque acredito que todos os brasileiros precisam estar cientes da situação na qual vivem as antas e muitas outras espécies de animais no nosso Cerrado, extremamente “antropizado”, sofrendo diversas pressões como o desmatamento e a fragmentação do pouco habitat que ainda resta, a caça, os atropelamentos em rodovias, as culturas de cana de açúcar e de soja e todos os problemas associados a esse negócio (como fogo, uso de agrotóxicos e contaminação de animais e seres humanos) e muito mais!

Nós, da INCAB, trabalhamos no Cerrado do Mato Grosso do Sul desde o ano ado e temos avaliado os efeitos dessas diferentes ameaças sobre as antas. Os resultados preliminares são assustadores e é papel nosso, como conservacionistas, alertar o público sobre os problemas enfrentados por nossa fauna, além de buscar aliados para nossas causas.

Por fim, faço este relato porque tenho escutado pessoas e organizações – algumas delas se dizem conservacionistas – que promovem a ideia de que plantios de cana de açúcar e de soja são ambientes ‘amigáveis’ para ar populações viáveis e saudáveis de diversas espécies animais, incluída a anta.

Devo confessar que tal afirmação me traz enorme desconfiança e me causa extrema indignação. Nossa área de estudo no Cerrado do MS inclui extensos plantios de cana e soja e, por isso, temos estudado a ecologia espacial da anta nessa paisagem. O que encontramos não são, de forma alguma, populações viáveis e saudáveis, mas, sim, indivíduos espalhados pela paisagem tentando sobreviver de alguma forma, buscando os recursos dos quais necessitam em pequeníssimos fragmentos de habitat (em grande parte reservas legais e áreas de preservação permanente) que ainda perduram imersos em ‘oceanos’ de cana e soja.

Nossos estudos de saúde da anta – um forte componente de nosso trabalho em todos os biomas onde atuamos – mostram que as antas no Cerrado são expostas a uma infinidade de doenças infecciosas e apresentam altas concentrações de diversos compostos químicos encontrados em agrotóxicos (organofosforados, carbamatos, piretróides, metais pesados entre outros). A realidade, portanto, é esta: esses animais vagam pela paisagem “antropizada” e, nesse meio tempo, são caçados, atropelados, queimados, contaminados…

Portanto, eu me pergunto, em que mundo vivem essas pessoas que dizem que essas paisagens são adequadas para a nossa fauna?

Ah, sim, em tempo: existem modelos sustentáveis de produção de cana de açúcar em nosso país. Já visitamos uma propriedade que desenvolve a ‘cana verde’ e o trabalho realizado é belíssimo e deveria ser amplamente disseminado! Entretanto, esta é uma exceção e não a regra.

Aproveito esta oportunidade para compartilhar com você, minha palestra no TED Talk, proferida em agosto de 2015. Nela, faço uma reflexão sobre meus 20 anos de trabalho pela conservação da anta no Brasil e questiono se estamos estudando este animal e contribuindo para a sua conservação ou apenas documentando sua extinção.

Ecoa 37h3q

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